Cuidados paliativos são uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida e diminuir os sofrimentos de pacientes e familiares, seja devido a doenças crônicas ou em casos terminais. Eles devem ser instituídos de forma precoce, em conjunto com tratamentos “tradicionais”.
A estimativa é que, hoje, 56 milhões de pessoas no mundo precisam desse tipo de cuidado, segundo o Atlas de Cuidados Paliativos da Aliança Mundial de Cuidados Paliativos e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Dessas, 25 milhões estão próximas à fase final da vida. E a demanda por esses cuidados pode dobrar até 2060.
Os principais alvos dos cuidados paliativos são a prevenção e alívio da dor, identificação precoce de problemas, além de atenção aos sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais, de acordo com a definição da OMS. Podem ser aplicados já no momento do diagnóstico da doença, trazendo maior qualidade de vida durante o tratamento e, no casos de pacientes terminais, evitam sofrimento no fim da vida.
“Todo tratamento que não visa a cura pode ser chamado de tratamento paliativo”, diz Rodrigo Lima dos Santos, médico especialista em medicina paliativa e coordenador da equipe de Cuidados Paliativos do Hospital São Luiz São – Itaim e Caetano do Sul, em São Paulo. “Um paciente com câncer de próstata pode receber um tratamento quimioterápico ou imunoterápico para controlar a progressão da doença e aumentar a sobrevida, conforme indicação do oncologista. Os cuidados paliativos são aliados neste processo, focando na prevenção e tratamento de sintomas”, explica.
O câncer é o segundo caso mais recorrente (34%) de pacientes adultos que precisam de cuidados paliativos. No topo do ranking estão as doenças cardiovasculares (38%). Depois do câncer, vem a doença pulmonar obstrutiva crônica (10%) e Aids/HIV (10%). Já entre as doenças que afetam crianças, estão anormalidades congênitas (25%), condições neonatais (14%), desnutrição (14%) e meningite (10%).
Com os cuidados paliativos, esses pacientes podem ter um planejamento prévio de tratamento, diminuição de sintomas desagradáveis, maior satisfação dos pacientes e do núcleo cuidador e menor uso do sistema de saúde.
“Considerando que as doenças crônicas trazem problemas físicos (dor, falta de ar, náuseas e outros sintomas), psíquicos, espirituais e sociais, os cuidados paliativos vêm para melhorar a qualidade de vida, ao prevenir e tratar o sofrimento por meio de estratégias farmacológicas (medicamentos) e não farmacológicas (como técnicas para evitar a fadiga durante as atividades cotidianas)”, explica Santos.
Mitos e verdades sobre o cuidado paliativo
Santos afirma que, por ser uma área razoavelmente nova, comparada a outras na medicina, muitas pessoas ainda têm conceitos errados sobre o que são cuidados paliativos. “Um dos mitos é que pacientes em cuidados paliativos estão desistindo do tratamento, ou que tal abordagem pode abreviar o tempo de vida”, diz Santos.
Mas estudos demonstram que instituir cuidados paliativos precocemente não diminui a sobrevida dos pacientes. Em alguns casos, pode inclusive aumentar. Dados do Center to Advance Palliative Care (Centro de Cuidados Paliativos Avançados, em tradução livre) apontam redução de até 66% do sofrimento relacionados a sintomas. E um estudo publicado por Gaertner e colaboradores no British Medical Journal em 2017 demonstrou aumento da qualidade de vida, principalmente relacionado à abordagem precoce, como conta Santos.
“Além disso, os cuidados paliativos não estão relacionados à eutanásia – o ato intencional de causar a morte, que é crime no Brasil. E, mesmo nos países em que tal prática é legalizada, ela não é realizada pelas equipes de cuidados paliativos”, explica o médico.
Não há um tempo de vida estimado para quem recebe cuidados paliativos — ou seja, não é só um tratamento para pacientes terminais — e também não há um prognóstico que determine a indicação desses cuidados. “Eles são aplicados para casos de doenças que limitam a vida, com sintomas que prejudicam o bem-estar. Pode ser indicado para pacientes cardíacos ou oncológicos e até para vítimas de acidentes de trânsito”, explica Clarice Yamanouchi, cirurgiã oncológica do Instituto de Oncologia do Paraná (IOP), que possui uma unidade no Hospital Marcelino Champagnat com o conceito de cuidado integral ao paciente. “Envolve muita ciência. É necessário ter conhecimento da doença, da evolução, das complicações para poder abordá-las”, afirma a especialista.
Maria Laisa Cavalheiro, 58, que recebe cuidados paliativos desde 2012, reforça: “Não é sobre morrer, e sim sobreviver até lá”. Na época, ela descobriu um câncer no cólon (intestino), e hoje se dedica a desmistificar o tema fazendo palestras e publicando posts no Instagram sobre o assunto.
“Receber um diagnóstico de câncer traz sentimentos imensuráveis, pois, mesmo não sendo a doença que mais mata, é a que mais causa sofrimentos e não escolhe raça, idade, gênero”, afirma. “Com cuidados paliativos, tenho qualidade de vida, autonomia e dignidade”, diz ela, que é acompanhada por uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e até por um capelão.
O paciente no centro do cuidado
Com uma abordagem multidisciplinar, o cuidado paliativo vai além do enfrentamento da doença, voltando-se para o paciente e suas necessidades. A equipe multidisciplinar ajuda, por exemplo, a minimizar a náusea causada pelo tratamento, propondo controle de alimentação e medicação. No caso do alívio da dor, é possível amenizá-la com fisioterapia e fortalecimento muscular. Já a insônia pode ser enfrentada com remédios ou medidas não farmacológicas, como o controle da ansiedade, entre outras alternativas.
“A palavra paliativo vem de Pallium, que era o manto que protegia os cavaleiros das Cruzadas do frio, da chuva. Significa proteger, manter a qualidade de vida”, conta Yamanouchi. A médica lembra que os cuidados paliativos se originaram junto com a civilização — quando entidades e pessoas caridosas passaram a cuidar dos feridos e doentes.
Atualmente, algumas iniciativas buscam conscientizar a sociedade sobre os cuidados paliativos. Entre elas estão livros, como a série da doutora Ana Cláudia Quintana Arantes, e o festival de música Patfest, criado pelo músico Andreas Kisser em homenagem à esposa, Patrícia Perissinotto Kisser, que sofreu um câncer de cólon.