Ainda não há previsão confiável de retorno à “vida normal”. Até lá, é importante cuidar da saúde mental de todos. Especialmente, dos idosos
A vacinação avança aos poucos, mas a recomendação de isolamento social no Brasil ainda não tem previsão para acabar. Como resultado, os médicos têm observado o aumento de males como estresse, ansiedade e depressão, todos relacionados a problemas de memória.
“O isolamento social é considerado uma situação estressante que resulta em aumento da reatividade fisiológica a novos estímulos, comportamento alterado em situações usuais e função cerebral prejudicada”, explica Diogo Haddad, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “Situações estressantes em caráter crônico promovem uma clara alteração em nossa resposta de atenção, velocidade de processamento e memória”, acrescenta.
Confira a entrevista com o médico e entenda melhor esse fenômeno.
Saúde da Saúde – Qual é a relação entre o convívio e a memória?
Diogo Haddad – Trabalhos anteriores à pandemia já mostravam a associação de alterações de memória em pacientes isolados durante longos períodos em instituições de longa permanência e asilos. Foi notável que o isolamento precedia às perdas de memória e não o contrário, mesmo em população idosa e com doenças já conhecidas. Na pandemia, ficou muito claro que pessoas sem quaisquer doenças prévias também viveram alterações de memória durante o período de isolamento.
Que pessoas estão mais suscetíveis ao problema neste período?
A verdade é que todos estão suscetíveis, especialmente os idosos – muitos estão em casa sem suas rotinas e sem interação com familiares por medo da pandemia. Devemos tomar todos os cuidados associados à higiene e aglomerações, mas certo convívio deve ser estimulado para preservação da saúde mental, da cognição e da memória. Pacientes que já apresentam doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, devem ser sem bem acompanhados para não apresentar rápida evolução e piora de seu quadro de base.
Por que o isolamento afeta a memória?
Existem três áreas cerebrais importantes que reconhecemos como ativadas durante o isolamento e a solidão: córtex pré-frontal, o hipocampo e a amígdala. O córtex pré-frontal apresenta-se reduzido em pessoas isoladas por longos períodos. Por ser a área definidora em tomadas de decisões e comportamentos sociais, pode promover alterações comportamentais durante período maior e dificuldade de adaptação social no retorno à socialização. O hipocampo é reconhecido como a área da memória, principalmente a recente, e apresenta-se hipofuncionante em pessoas isoladas. Importante notar que ele também influencia diretamente no aprendizado de novas funções. A amígdala é muita associada ao medo e estresse, ela modula as emoções e o reconhecimento do quanto as emoções alteram nossas atividades sociais. Evidências mais recentes sugerem que as amígdalas são menores em pessoas solitárias.
Além da perda de memória, que outros problemas podem emergir na solidão?
Temos alguns estudos preocupantes a respeito de isolamento prolongado. O isolamento social aumentou significativamente o risco de morte prematura, o que comparativamente pode se aproximar ao risco representado por fumar, obesidade e sedentarismo. O isolamento social foi associado a um risco aumentado em cerca de 50% de conversão de síndromes demenciais em pacientes já propensos. Relações sociais precárias, caracterizadas por isolamento social ou solidão, foram associadas a um aumento no risco de doenças cardíacas e de acidente vascular cerebral. A solidão também é associada a taxas mais altas de depressão, ansiedade e suicídio, algo extremamente perigoso em países com pouco estímulo ao acompanhamento, reconhecimento e tratamento de doenças mentais como o caso do Brasil.
O que pode ser feito para minimizar ou compensar essas perdas?
O ser humano é social por natureza. Neste momento, é importante manter a rede de relações próxima, mesmo que virtualmente. Familiares devem estar próximos e vínculos de filhos e netos não devem ser cortados durante a quarentena de forma brusca. Os cuidados devem ser mantidos, mas não a ponto de se evitar os estímulos sociais e cognitivos fundamentais para nosso funcionamento.
Neste contexto, qual é o papel dos profissionais de saúde?
Quase todo adulto acima de 50 anos interage com seu sistema de saúde, seja público ou privado, de alguma forma. Para aquele sem conexões sociais, uma consulta médica ou a visita domiciliar de uma enfermeira pode ser um dos poucos encontros cara a cara que o paciente pode vivenciar. É importante que o profissional reconheça os danos que podem estar associados ao isolamento.