Mortalidade materna no Brasil: uma emergência nacional

A espera de um bebê é sempre um momento importante, que exige cuidados especiais para garantir a saúde e a segurança tanto da mãe, quanto do bebê – principalmente na hora do parto, que deve ser planejado com cuidado pela gestante e a obstetra, que leva em consideração as condições gerais de saúde da mãe e da criança.

Na contramão do que vem sendo registrado ao redor do mundo, o Brasil teve um aumento de 5,4% no número de mortes maternas nos últimos 20 anos, de acordo com um estudo publicado pelas Nações Unidas e pelo Banco Mundial. Na média de todos os países, houve queda de 34% nas últimas duas décadas.

O Painel de Monitoramento de Mortalidade Materna, uma iniciativa do Ministério da Saúde, revelou que o número de óbitos maternos registrados no Brasil em 2021 alcançou o maior patamar em 22 anos. Mais de 3 mil mulheres grávidas e puérperas perderam suas vidas, o que equivale a uma média de 8 óbitos por dia. Esse crescimento de mais de 45% em comparação com o ano anterior está principalmente relacionado à pandemia da Covid-19, devido a síndromes respiratórias agudas, essencialmente.

Para Monica Iassana, coordenadora da Atenção à Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, que participou Anahp Ao Vivo | Mortalidade materna no Brasil: uma emergência nacional, as desigualdades socioeconômicas e de acesso à saúde, além da emergência sanitária provocada pela pandemia, reforçam a importância da gestão de redes e práticas clínicas, e a necessidade de articulação primária e especializada.

“A mortalidade materna tem diversas causas, mas gosto de trazer a reflexão sobre os números absolutos: em 2021, foram 3.025 vidas perdidas, sendo que 91% delas eram evitáveis”, aponta Iassana. Dentre as causas diretas, predominaram hipertensão, hemorragia, infecção puerperal e aborto. E, entre as indiretas, predominam as doenças do aparelho circulatório, respiratório, doenças infecciosas e parasitárias maternas – que aumentaram devido à Covid-19.

Mas por onde começar a luta para a redução desses números?

A primeira resposta é a realização do pré-natal, fundamental na prevenção e/ou detecção precoce de doenças, por meio do acompanhamento das condições de saúde tanto maternas como fetais.

A farmacêutica Fernanda Pinto, por exemplo, teve um carcinoma na tireóide em 2014, quando removeu a glândula. Desde então, ela repõe o hormônio T4 diariamente e acompanha de perto os níveis, via exames. Quando engravidou, em 2022, o cuidado foi redobrado, porque o controle desse hormônio é crucial antes e durante a gestação para evitar aborto e malformação de sistema nervoso central da criança.

Além disso, graças ao cuidado atento de um profissional, mesmo estando no oitavo mês de gestão foi possível passar por uma cirurgia por causa de uma inflamação na gengiva, e até mesmo fazer o uso (necessário) de antibióticos. “Avaliamos riscos e benefícios, e resolvi fazer. (…) Alguns dias depois, aconteceu uma infecção no local e precisei utilizar antibiótico. A obstetra que faz o meu pré-natal acompanhou tudo e autorizou o uso”, contou.

A assistência pré-natal, que deve acontecer durante todo o período de gestação, é o primeiro passo para parto e nascimento humanizados – que pressupõe uma relação de respeito que os profissionais de saúde estabelecem com as mulheres durante o processo de parturição e, compreende, de acordo com o Ministério da Saúde:

  • Parto como um processo natural e fisiológico que, normalmente, quando bem conduzido, não precisa de condutas intervencionistas;
  • Respeito aos sentimentos, emoções, necessidades e valores culturais;
  • Profissionais que ajudem a mulher a diminuir a ansiedade e a insegurança, assim como o medo do parto, da solidão, da dor, do ambiente hospitalar, de o bebê nascer com problemas e outros temores;
  • Promoção e manutenção do bem-estar físico e emocional ao longo do processo da gestação, parto e nascimento;
  • Informação e orientação permanente à parturiente sobre a evolução do trabalho de parto, reconhecendo o papel principal da mulher nesse processo, até mesmo aceitando a sua recusa a condutas que lhe causem constrangimento ou dor;
  • Espaço e apoio para a presença de um(a) acompanhante que a gestante deseje;
  • Direito de escolha do local de nascimento e dos profissionais para garantir o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde.
Ações para diminuir os óbitos maternos

Para especialistas, há uma necessidade de se estabelecer protocolos mais efetivos para prevenção e tratamento das condições que podem causar o óbito materno. “Não adianta ser só no papel, temos que transformar [os protocolos] em cuidados com o paciente, ensinando quais são os sinais precoces e quando procurar ajuda, além de capacitar os profissionais da saúde”, diz Monica Siaulys, diretora médica do Grupo Santa Joana.

Linus Fascina, gerente médico Materno-Infantil no Hospital Israelita Albert Einstein, acredita que é preciso haver maior união de forças entre os sistemas público e privado para que as ações de prevenção sejam de fato efetivas. Como exemplo, ele destaca o projeto do Parto Adequado, uma iniciativa em parceria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), do Hospital Israelita Albert Einstein e do Institute for Healthcare Improvement (IHI), com apoio da Ministério da Saúde. Segundo Fascina, o objetivo desse trabalho é identificar modelos inovadores e viáveis de atenção ao parto e ao nascimento, “que valorizem o parto normal e ajudem a reduzir o percentual de cesarianas sem indicação clínica na saúde suplementar”.

Mas, de acordo com uma nova pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), a prática do parto cesariana continua crescendo mundialmente, respondendo agora por 21% dos partos realizados. E a previsão é que esse número continue aumentando na próxima década, com quase um terço (29%) de todos os partos ocorrendo por este método até 2030, revela o estudo. Desde 1985, a OMS estabeleceu que tal proporção não deveria ultrapassar a marca de 10 a 15%.

Há casos em que a cesariana se faz necessária e salva vidas, mas quando realizada sem indicação pode colocar mulheres e bebês sob o risco desnecessário de desenvolver problemas de saúde, em curto e longo prazo.

No Brasil, de acordo com informações do periódico Revista Ciência & Saúde Coletiva, o percentual de partos por cesariana hoje é de 56% (mais de 80% realizados na rede privada) e está relacionado a desfechos negativos para mães e bebês em casos que a cirurgia era desnecessária: aumento da morbimortalidade materna, da prematuridade, de óbitos fetais e anormalidades placentárias, de problemas na amamentação e no desenvolvimento do sistema imunológico do recém-nascido.

“Dentro das maternidades Santa Joana, temos um centro de ensino especializado em emergências obstétricas. Há pouco tempo, fizemos uma parceria com a Secretaria de Saúde, oferecendo capacitação de profissionais da rede pública, o que foi uma experiência enriquecedora para ambos os lados. Vejo que esse tipo de capacitação, com profissionais de diferentes visões, do técnico de enfermagem ao anestesista, é muito rica para a dinâmica de trabalho. Equipes que praticam e treinam juntas, melhoram”, afirma Monica Siaulys.

A atenção primária à saúde é fundamental nesta batalha

Estabelecidos pela OMS, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para ser alcançado até 2030 é a redução da taxa global de mortalidade materna para menos de 70 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos. O Brasil comprometeu-se em reduzir esse índice para 30 óbitos por 100 mil nascidos vivos até 2030.

Para Fascina, a atuação da equipe médica e assistencial é fundamental, mas tão importante quanto é que a gestante e familiares estejam munidos de informação. “Se você não alerta a família sobre os sinais de emergência, principalmente para causas evitáveis, como hemorragias e infecções, a paciente perde horas preciosas de atendimento e vai chegar muito mais tarde no hospital”.

Além do pré-natal, a prevenção e o tratamento de doenças como HPV, endometriose, câncer de mama e de colo de útero, fibromialgia, depressão e obesidade – que figuram entre as maiores incidências de agravamento e morte entre mulheres no Brasil – exigem consultas e exames regulares, que podem fazer a diferença na saúde da mulher, já que o diagnóstico tardio pode prejudicar o processo de tratamento e cura.

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