A síndrome de burnout é uma condição depressiva aguda, decorrente do esgotamento físico e mental causado pelo excesso de trabalho. É um problema sobretudo contemporâneo, que ocorre nas mais diversas carreiras, mas que, durante a pandemia, se tornou ainda mais recorrente entre profissionais de saúde. Por isso, o Conahp 2020 – Congresso Nacional de Hospitais Privados dedicou uma plenária ao tema, intitulada Burnout inevitável: a exaustão dos profissionais no pós-covid-19.
“É comum que uma pessoa com o problema tenha uma percepção muito negativa de si mesma – contudo, o burnout não é um problema individual, mas sistêmico”, enfatizou, logo na abertura, o médico Lewis Kaplan, presidente da Society of Critical Care Medicine, organização internacional sem fins lucrativos sediada em Los Angeles, na Califórnia. “O profissional acha que é ele quem precisa mudar, quando na verdade o problema maior está nas condições de trabalho.”
O médico André Fusco, responsável técnico pela área de Saúde Ocupacional do Itaú Unibanco, concorda que há, de fato, uma tendência social a culpar a vítima. “Quando uma pessoa sofre um burnout, a gente tende a olhar para as características dela. Tem labirintite? Será que leva uma vida equilibrada? Tem resiliência? Medita? Faz atividade física? Dorme direito? Tem problemas pessoais?” Esse foco no indivíduo minimiza as responsabilidades das empresas.
É nesse contexto que se criam hoje as chamadas “salas de descompressão”, espaços de descanso e lazer dentro dos escritórios, com sofás, jogos e lanchinhos, e os chamados programas de relaxamento, “para ‘consertar’ o profissional, em vez de se olhar para o que o está comprimindo”. Para Fusco, essa mesma mentalidade elege figuras “heróicas” nas empresas, colegas que vivem sobrecarregados, ficam sempre depois do expediente, trabalham madrugadas e fins de semana adentro.
“São profissionais muito valorizados por sua resiliência, esforço e dedicação, o que acaba transformando a sobrecarga num valor”, alertou Fusco. Ao mesmo tempo, esses “heróis” sofrem de exaustão, privação de sono, falta de qualidade de vida e tempo para seus afetos. Segundo o especialista, há de se lembrar que resiliência é, na prática, um conceito taylorista. Ou seja, parte da premissa de adaptar as pessoas ao trabalho e, não, o trabalho às pessoas. “Não que resiliência seja algo ruim, mas é preciso nos perguntarmos: por que precisamos de tanta?”
Também participou da discussão o médico Eurípedes Constantino Miguel, chefe do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Ele coordenou um programa de saúde mental voltado ao cuidado dos profissionais de saúde da linha de frente do Hospital das Clínicas, em São Paulo, durante a pandemia. As ações desse programa podem inspirar outras iniciativas no mundo corporativo para além do campo da saúde e incluem: conscientização institucional, melhora nas condições de trabalho, estímulo à atividade física, educação emocional, rodas de conversa e acesso a meios de assistência à saúde mental.