Um profissional que acompanha e ajuda a organizar toda a linha de cuidado do paciente, além de ser um elo entre o hospital, a pessoa em tratamento e sua família. Essa é a essência do trabalho do enfermeiro navegador, uma figura ainda relativamente nova no setor de saúde brasileiro, mas que tende a se tornar mais comum – principalmente com o modelo de saúde baseado em valor sendo uma pauta cada vez mais presente entre as instituições.
A enfermeira navegadora do Hospital Leforte, Renata Madrid, explicou para o portal a origem deste profissional, como ele faz diferença no tratamento de pacientes de alta complexidade e seu papel fundamental no bem-estar e na prevenção.
“O enfermeiro navegador vai acompanhar o paciente em toda a linha do cuidado, desde o diagnóstico até o fim de vida – diminuindo as barreiras administrativas, sociais, psicológicas e emocionais que possam impactar na adesão ao tratamento e sobrevida”, diz Renata.
Ela explica que, no Brasil, a navegação de pacientes está mais direcionada ao tratamento de câncer, mas que também é aplicada em casos de doenças crônicas. “É um modelo muito bem aceito pelo paciente, pela equipe médica e que tem tudo para dar certo, crescer e expandir”, conta Renata.
Como surgiu a figura do enfermeiro navegador?
Renata Madrid: A navegação de pacientes é um modelo americano de assistência. O foco inicial foi o paciente oncológico, pensando em toda a complexidade que ele vive desde o diagnóstico – que é muito difícil, muitas vezes relacionado à morte – e durante o longo tratamento, com muitos contextos ao redor para que dê certo.
Foi idealizado pelo médico mastologista Harold Freeman, que trabalhando no Harlem Hospital Center, de Nova York, percebeu que havia uma diferença de sobrevida entre as pacientes de câncer de mama brancas e negras. As negras viviam menos porque chegavam com um diagnóstico avançado. Ao se aprofundar na questão, ele percebeu que questões sociais, psicológicas, de autoestima e a falta de apoio as impediam de fazer os exames preventivos e buscar tratamento.
Freeman percebeu ainda que só o tratamento médico, focado na doença, não era suficiente. Então ele formou uma equipe multiprofissional, coordenada por um enfermeiro – por ter conhecimento técnico e científico da doença, das possíveis reações e ter condições de prever o que pode acontecer com o paciente. Com isso, ele aumentou a sobrevida das pacientes negras de 39% para 60%.
Como o enfermeiro navegador atua?
Renata Madrid: Ele acompanha o paciente em toda a linha do cuidado desde o diagnóstico até o fim da vida – o que significa que o trabalho dele não termina com o fim do tratamento. E esse acompanhamento não é só focado na doença. O enfermeiro vai cuidar do paciente pensando, inclusive, em diminuir as barreiras administrativas dentro do próprio hospital – como questões com o convênio, liberações, etc.
Entendemos que o paciente não é a doença. Quando ele descobre que tem câncer, existe a questão emocional, familiar, os impactos no trabalho, nos estudos – porque ele não planejou ficar doente. São tantas coisas para cuidar, e vem o enfermeiro navegador para tirar dele esse tipo de problema que, normalmente, o sistema de saúde deixa para o paciente também. O enfermeiro navegador ainda organiza todo o apoio psicológico ao paciente, identifica se ele está com medo, com receio, ansioso, o que pode impactar na adesão dele ao tratamento.
Também há um foco na prevenção e no diagnóstico precoce, porque um câncer diagnosticado precocemente tem maiores chances de cura. Há exames preventivos, e o enfermeiro navegador analisa os resultados para identificar eventuais alterações que possam levar ao câncer se o paciente não se cuidar. Existe uma estimativa de 27 milhões de pessoas com câncer em 2030. É muita coisa, e trabalhamos para reduzir esse dado.
Como é a relação com a família do paciente durante todo o processo?
Renata Madrid: O enfermeiro navegador precisa desenvolver um bom vínculo com o paciente, com a família dele e os cuidadores. No monitoramento, são estas pessoas que vão comunicar precocemente se o paciente está tendo algum efeito colateral, por exemplo, e nós, juntamente com o médico e a equipe multidisciplinar, vamos conseguir intervir para que ele não precise vir ao pronto-socorro, ser internado ou se expor a procedimentos desnecessários.
A navegação sempre pensa em prevenção: prevenir uma doença que está crescendo na sociedade, prevenir para que aconteça um diagnóstico precoce e que não ocorra metástase. Também prevenir efeitos colaterais que possam resultar em internações para o paciente, reduzindo assim o risco de infecções. Os focos são: prevenção, otimizar fluxos e agilizar para o paciente sempre. Isso reduz a ansiedade dele, pois o ser humano não é administrativo, ele está doente. Trabalhamos muito também como “advogado” do paciente.
O enfermeiro navegador atua só em casos de pacientes oncológicos?
Renata Madrid: Nos EUA, por lei, todo paciente oncológico tem um enfermeiro navegador. Com o tempo, isso passou a valer também para casos de doenças crônicas. Mas é importante dizer que a navegação não acontece só em casos de câncer. Um enfermeiro da área neurológica também pode fazer a navegação em pacientes com alzheimer e parkinson, por exemplo, o que pode prevenir muitas complicações. Também em casos de doenças reumatológicas, como lúpus e artrite, que causam sofrimento para o paciente. Com uma equipe multidisciplinar e fazendo a navegação, é possível prevenir e aliviar muitas das consequências.
Como o enfermeiro navegador se insere no conceito de saúde baseada em valor?
Renata Madrid: O conceito envolve o valor para o indivíduo e tem tudo a ver com a navegação, já que é um modelo que avalia o todo, o cuidado holístico daquele paciente, que traz a questão física, biológica, psíquica, emocional e social. O enfermeiro navegador vai identificar e sanar as necessidades do paciente neste todo.
Também é um modelo que coloca o paciente no centro do cuidado e, junto com ele, vamos desenhar o plano identificando o que é valor para ele: como lidar com as principais dificuldades, o que vai lhe proporcionar bem-estar etc. Nós levamos o conhecimento técnico e científico do que a instituição tem para oferecer, mas quem define o que precisa de cuidado naquele momento – além da quimioterapia, da radioterapia e da cirurgia –, é o paciente.