Cigarro eletrônico já é considerado “epidemia” entre jovens: conheça os riscos

Mesmo proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, os cigarros eletrônicos – também conhecidos como vape ganharam espaço especialmente entre adolescentes e jovens no Brasil.

Com a falsa impressão de que este tipo causa menos mal do que a versão convencional e de que não vicia (o que não é verdade), a “versão tecnológica” do cigarro se alastra oferecendo sabores, aromas e risco de danos pulmonares severos – e precoces. Neste sentido, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) faz um alerta: o preço baixo e os aromatizantes utilizados em cigarros eletrônicos nada mais são do que estratégias para atrair consumidores de tabaco.

Segundo o médico Marcel Albuquerque, coordenador de pneumologia do Hospital Cárdio Pulmonar e professor da Escola Bahiana de Medicina, quem utiliza o cigarro eletrônico não está isento de problemas sérios de saúde relacionados ao fumo. E dá o alerta: “potencialmente, pode ser até pior do que o cigarro tradicional”.

Leia, a seguir, a entrevista completa com o especialista:

Muita gente pode pensar que o cigarro eletrônico não é perigoso, ou ao menos que é menos perigoso do que os cigarros convencionais. Por que isso é um mito?

Marcel Albuquerque: A comercialização do cigarro eletrônico em grande escala é algo recente, de 20 anos para cá. No Brasil é até mais recente, e a Anvisa proíbe a comercialização de cigarro eletrônico em todo o território nacional.

Inicialmente, a proposta do cigarro eletrônico foi ser uma ferramenta para ajudar a cessar o tabagismo tradicional, por ser considerada uma forma de reposição de nicotina (substância psicoativa do cigarro), que é uma das formas de ajudar o paciente parar de fumar. Pode ser com adesivo, com goma de mascar ou com pastilha. No caso do cigarro eletrônico isso acontece de modo inalatório, só que existem muitos malefícios, que vão além do fato de oferecer um risco muito maior do que o cigarro convencional – de dez a 20 vezes maior. Então, o cigarro eletrônico acaba sendo uma porta de entrada para o tabagismo porque o paciente acaba fazendo uma troca. Então, tem sido vendido como algo mais seguro, o que não é uma realidade, e tem uma possibilidade maior de vício.

Os cigarros eletrônicos também provocam lesões pulmonares?

Albuquerque: O cigarro eletrônico não tem só o vapor d’água, mas diversas substâncias e algumas reconhecidamente prejudiciais. Este é o caso de derivados aromáticos, derivados de benzeno e formaldeídos, que são substâncias usadas como conservantes e que, quando inaladas, podem causar dano pulmonar – inclusive com uso por curto período. É diferente do cigarro tradicional, que demora anos e anos, ou até décadas, de exposição para gerar problemas.

O cigarro eletrônico pode levar a danos em poucos meses, podendo causar inflamação pulmonar e essas pneumonites podem ocorrer de forma precoce. Existe também uma doença chamada Evali [sigla em inglês para Eletronic Vaper Acute Lung Injury, que significa Lesão Pulmonar Induzida pelo Cigarro Eletrônico], um caso mais severo que, em pouco tempo, pode levar à insuficiência respiratória que demanda intubação ou a dando pulmonar grave com necessidade de transplante. Nos Estados Unidos já há relatos de pacientes que passaram por isso – alguns adolescentes, inclusive.

É um erro, então, pensar que o cigarro eletrônico não vicia, certo?

Albuquerque: Sim. A substância que vicia, em qualquer cigarro, é a nicotina. Ela é o psicoativo que age no cérebro, causando uma sensação de bem-estar e, por isso, leva à dependência química. É isso que o tabagista busca ao fumar, e o cigarro eletrônico oferece, inclusive, maior percentual de nicotina.

O cigarro eletrônico não produz cheiro. Isso ajuda na disseminação do uso do aparelho?

Albuquerque: Esse é um dos grandes malefícios. Por não produzir fumaça e não deixar cheiro desagradável – pelo contrário, pode vir com sabores, essências… –, o cigarro eletrônico acaba sendo até mais atrativo para adolescentes, principalmente. E isso eleva o consumo, aumentando o risco.

O cigarro tradicional, que já é reconhecidamente danoso, tem aspectos que fazem com que as pessoas ao redor do tabagista se incomodem. Provoca fumaça, tem cheiro desagradável… Tudo isso dificulta que a pessoa fumante fique num ambiente de pessoas não tabagistas. Já o cigarro eletrônico facilita para quem fuma, não dá nem para identificar pelo cheiro que a pessoa fumou. E isso facilita, inclusive, para crianças e adolescentes.

Podemos afirmar que existe uma epidemia de uso de cigarro eletrônico entre os jovens?

Albuquerque: Antes de mais nada, é preciso dizer que o Brasil é um país exemplar em políticas antitabagistas. Se compararmos com os Estados Unidos e a Europa, o Brasil dá exemplo. Por aqui, o índice de pessoas que fumam cigarro tradicional tem reduzido nas últimas décadas, diferentemente do que acontece em países europeus, onde essa taxa se estabilizou ou até aumentou, em alguns casos.

Já o cigarro eletrônico vem subindo de forma gradativa no Brasil e, atualmente, tem se tornada um problema potencialmente maior do que o cigarro tradicional.

Utilizar o termo “epidemia” não é errado, é completamente aceitável – em especial entre jovens. O jovem gosta da novidade, da questão tecnológica. A pessoa mais velha, que já fumava o tradicional, não está migrando para o eletrônico, mas os jovens estão fazendo essa migração ou estão iniciando o tabagismo com o eletrônico.

Uma dose no cigarro eletrônico equivale a quantos cigarros do tipo convencional?

Albuquerque: No caso do cigarro eletrônico, o que conta é a quantidade de solução que se coloca no dispositivo. E essa solução tem um percentual de nicotina que varia: tem solução com 5%, com 10%, com 20%… Para termos de comparação, um cigarro tradicional tem, em média, 1 miligrama de nicotina enquanto no eletrônico uma solução de 5% pode ter 50 miligramas. Portanto, uma dose pode ser equivalente a 50 cigarros tradicionais.

Você percebe aumento no número de paciente usuários de cigarro eletrônico que buscam por algum atendimento médico?

Albuquerque: Sim. Geralmente, os pacientes costumavam ser pessoas com mais de 50 anos ou já idosos. Mas vem aumentando o número de adolescentes ou adultos jovens com lesões pulmonares que só víamos, no passado, em gente mais velha. E há também pessoas com lesões extrapulmonares, como dermatites, coceiras, vermelhidão e até lesões cardíacas. O cigarro tradicional é conhecido por ser fator de risco para infarto, e tudo sugere que o eletrônico eleve esse risco da mesma forma, embora estejamos ainda estudando isso.

Existe fumo passivo com cigarro eletrônico?

Albuquerque: A verdade é que existe uma grande interrogação nesse sentido. Não há nenhum relato grave de dano passivo, porque aquele vapor é inalado diretamente pela pessoa que fuma. Porém, se for voltar 30 anos, pegava-se avião com gente fumando, fumava-se dentro do restaurante… E a fumaça se espalhava. Ainda não podemos afirmar que não há dano, mas realmente ainda há nenhum caso de doença grave relacionada ao tabagista passivo de cigarro eletrônico.

Para encerrar, uma pergunta sobre o cigarro tradicional. O Instituto Nacional de Câncer (Inca), divulgou recentemente um alerta, dizendo que o preço baixo estimula a dependência. O que se pode falar sobre isso?

O mercado de cigarro tradicional talvez seja o único que não quer que o preço do produto aumente. Enquanto a sociedade, as instituições e os conselhos querem taxar cada vez mais, a indústria do tabaco quer que o preço seja acessível ao cliente, que seja o mais baixo possível.

O cigarro é o principal causador de doenças evitáveis, como infarto, câncer e enfisema. Se não existisse cigarro, o número de vítimas seria muito menor. E o custo disso é muito elevado, principalmente em um país como o Brasil, que depende muito da saúde pública.

Então, a taxação é importante tanto para reduzir o uso quanto para reverter o dinheiro para tratamento. Tabagismo não é apenas um hábito, é uma doença que precisa de tratamento médico – e, em alguns casos, até mesmo psicológico.

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