Campanha Agosto Branco para conscientização do câncer de pulmão: conheça a doença, riscos, prevenção, diagnóstico e tratamento

Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam que o câncer de pulmão é o terceiro mais comum entre homens e o quarto entre mulheres no Brasil. Essa elevada incidência motivou a criação, há seis anos, da campanha Agosto Branco. O objetivo é conscientizar a população sobre a importância da prevenção, do diagnóstico precoce e do tratamento da doença.

Segundo informações do site oficial do Inca, o cigarro é considerado o mais importante fator de risco para o desenvolvimento do câncer de pulmão, e, até mesmo a exposição passiva à fumaça pode representar risco. E, ainda segundo dados do Inca, “em cerca de 85% dos casos diagnosticados, o câncer de pulmão está associado ao consumo de derivados de tabaco”.

O médico Helano Carioca Freitas, vice-líder do Centro de Referência de Tumores de Pulmão e Tórax do A.C.Camargo Cancer Center, alerta, no entanto, para o erro de acreditar que apenas fumantes ou ex-fumantes podem desenvolver a doença.

Na entrevista a seguir, o especialista fala sobre mitos e verdades a respeito do câncer de pulmão, detalha os tipos da doença, dá dicas de prevenção, critica firmemente o cigarro eletrônico e elenca as formas mais modernas de tratamento.

Leia, a seguir, os principais trechos da conversa:

Quais as particularidades do câncer de pulmão com relação aos demais?
O câncer de pulmão (CP) é um conjunto de doenças:

  • Cerca de 13% são do tipo pequenas células (CPCP), uma forma de doença muito agressiva e fortemente associada ao tabagismo.
  • Os demais 87% são de células não pequenas (CPNPC). Nesse grupo, o adenocarcinoma e o carcinoma de células escamosas são os tipos mais comuns.

A principal diferença do CP em relação aos demais tumores de outros sítios [outras áreas do corpo] é que o adenocarcinoma pulmonar foi transformado em um conjunto de doenças com características, prognóstico e tratamento distintos, de acordo com o tipo de mutação encontrado. Nenhum outro tumor sólido tem essa particularidade de tantos subtipos determinados pelo perfil molecular.

Os genes definidores dos subtipos moleculares são EGFR, ALK, ROS1, KRAS, BRAF, MET, RET e HER2. Para cada um desses subtipos existem terapias-alvo aprovadas ou em fase avançada de testes.

Quem tem mais risco de ter câncer de pulmão? São fumantes mesmo?

A grande maioria dos casos de CP é formada por tabagistas ou ex-tabagistas. Mas estima-se que cerca de 15% a 20% dos casos de CP ocorra em pessoas que nunca fumaram.

Quais podem ser os motivos para pessoas não fumantes desenvolverem o câncer de pulmão?

Quanto aos não fumantes, não se sabe ao certo o que os levam a desenvolver câncer de pulmão, mas um estudo recente de pesquisadores ingleses trouxe uma luz para essa área, mostrando que a poluição ambiental pode ser um catalizador do desenvolvimento de CPNPC. Isoladamente, não se provou que a exposição à poluição cause o câncer de pulmão, mas ela pode catalisar o processo em pessoas que têm em seus pulmões determinadas mutações.

Qual é o papel do cigarro eletrônico na incidência de casos de câncer de pulmão?

O cigarro eletrônico foi inventado há cerca de 20 anos, e seu uso vem se tornando mais disseminado na última década. Portanto, ainda não houve tempo suficiente de acompanhamento para comprovar sua associação direta com o câncer.

No entanto, já é comprovado que o cigarro eletrônico causa lesões agudas nas vias aéreas, e em alguns casos pode causar um quadro grave de insuficiência respiratória aguda.

As pessoas que usam cigarro eletrônico precisam se conscientizar que estão queimando seus pulmões diariamente e que o efeito de longo prazo dessas lesões não pode ser bom. Será que vale a pena correr esse risco? Minha resposta é um sonoro NÃO VALE. Cigarro eletrônico não é meio para fumante parar de fumar, é meio de entrada no mundo do tabagismo. Não podemos deixar que gerações de adolescentes e adultos jovens se exponham a esse risco.

O que significa, na prática, dizer que 90% dos casos de câncer de pulmão são evitáveis?

As estatísticas falam em 80 a 90% dos CP estarem diretamente associados ao cigarro. Como esse é um fator de risco evitável, se reduzíssemos o percentual de fumantes na população e os jovens não começassem a fumar, poderíamos ver uma importante redução na incidência de CP nas próximas décadas.

Além de parar de fumar – a orientação mais básica para todo mundo que queira o câncer de pulmão –, quais são as outras recomendações?

Boa alimentação e atividade física regular são muito importantes para a saúde em geral. Quem leva estilo de vida mais saudável não tem a garantia de não adoecer, mas seguramente tem maior chance de ter uma vida longa e com menos problemas de saúde.

Podemos elencar, aqui, alguns mitos ou verdades sobre o câncer de pulmão?

  • Câncer de pulmão não tem cura: Mito. Se diagnosticado em estágio inicial e com o tratamento adequado, há chance de cura. Além disso, como as novas terapias-alvo e com a imunoterapia, a chance de cura ou remissão prolongada para pacientes com doença avançada ou metastática vem se tornando uma realidade cada vez mais frequente.
  • Pacientes com CPNPC metastático podem fazer tratamento por via oral e levar uma vida normal: Verdade. Alguns subtipos de adenocarcinoma – como aqueles com alterações no gene EGFR, no gene ALK ou no gene ROS1 – têm tratamento com medicações por via oral que controlam a doença por longos períodos (anos), com pouca toxicidade.
  • Pacientes com CPNPC metastático tratados com imunoterapia podem ter remissão prolongada mesmo após a suspensão do tratamento: Verdade. A imunoterapia não funciona em todos os casos, mas quando funciona bem, os pacientes recebem o tratamento por até dois anos e podem ter remissão da doença por muito tempo, o que pode significar cura da doença.

Como é feito o diagnóstico do câncer de pulmão?

O diagnóstico é feito por meio de uma imagem (tomografia) que identifica um nódulo suspeito. O nódulo pode ser biopsiado por agulhamento percutâneo, guiado por uma imagem de tomografia. Isso aumenta a complexidade, pois em outros tumores, como mama, tireóide e a maior parte do aparelho digestivo, as biópsias são realizadas por métodos mais simples e mais facilmente disponíveis.

O que significa, na prática, dizer que o diagnóstico de câncer de pulmão costuma ser tardio? A que se atribui essa demora?

Entre 60 e 80% dos casos são diagnosticados já em estágio IV, com a presença de metástases à distância. Nessa fase, a chance de cura ou remissão prolongada é muito reduzida em comparação aos casos com estágios mais iniciais. No A.C.Camargo, 58% dos nossos casos são diagnosticados em estágio IV. No SUS, esse número sobe para 80% ou mais.

Pode dar uma palavra sobre campanhas como o Agosto Branco?

Devemos olhar para os nossos adolescentes e jovens, para que não comecem a fumar cigarro convencional nem cigarro eletrônico. Além disso, as pessoas que fumam ou pararam de fumar há menos de 15 anos e que tenham mais de 50 anos de idade precisam saber que é importante realizar o rastreamento de câncer de pulmão. No sistema de saúde suplementar, elas devem procurar um pneumologista ou um serviço especializado. No SUS, infelizmente ainda não está implementado um programa de rastreamento de CP.

Como é, em linhas gerais, o tratamento? O que é fundamental nessa etapa posterior ao diagnóstico?

Nos casos bem iniciais, em que a doença é restrita a um pequeno nódulo e não passou para linfonodos nem para órgãos à distância, o tratamento pode ser feito com cirurgia exclusiva (preferencialmente) ou com uma técnica específica de radioterapia (radioterapia estereotáxica), mais usada quando o paciente não tem condição clínica favorável a uma cirurgia de maior porte.

Quando o tumor é maior ou há disseminação para os linfonodos do mediastino (espaço entre os pulmões), o tratamento pode envolver quimioterapia e imunoterapia por cerca de dois meses, seguido pela cirurgia, com até um em cada quatro pacientes apresentando resposta completa (eliminação completa do tumor).

Quando a doença é mais extensa e considerada irressecável, mas ainda não houve metástase em outros órgãos, o tratamento envolve uma combinação de quimioterapia e radioterapia, seguida por um ano de imunoterapia.

Por fim, nos casos em que há metástase, o tratamento pode envolver terapia-alvo por via oral (cada subtipo tem medicações específicas, com resultados melhores do que com a quimioterapia e menor toxicidade). Nos casos em que não há terapia-alvo, o tratamento pode envolver a imunoterapia isoladamente ou em associação à quimioterapia.

Hoje, o tratamento da doença metastática não deveria mais ser feito com quimioterapia isolada, como era antigamente. Infelizmente, pacientes do SUS ainda recebem quimioterapia isolada na maioria das situações pela falta de acesso às novas terapias citadas anteriormente.

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