Baixo estoque nos bancos de sangue levanta alerta

Novos caminhos são desbravados constantemente na medicina, que vão desde a impressão de próteses 3D, por exemplo, até cirurgias realizadas à distância com apoio robótico. Mas há um aspecto que não muda: as equipes médicas dependem de doações de sangue para garantir o sucesso de diversos procedimentos complexos.

Apenas no Brasil, cerca de 3,5 milhões de pessoas necessitam de transfusões sanguíneas anualmente, de acordo com dados do Ministério da Saúde. O número é alto e acende um alerta considerando que só 1,4% da população brasileira – ou seja, 14 em cada mil habitantes – doam sangue de forma regular nos hemocentros do Sistema Único de Saúde (SUS). Não existe outro meio de conseguir o insumo a não ser por doações.

Apesar do número ter subido após o período mais crítico da pandemia, quando houve uma diminuição de 10% no volume de coletas, atualmente está abaixo dos 2% ideais definidos pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).

“O estoque de sangue é imprescindível para atendimentos de urgências, cirurgias de grande porte, tratamento de doenças crônicas e doenças oncológicas. A grande maioria das transfusões de sangue ocorre em situações de urgência, emergência e em tempos perioperatórios. Nessas situações, se o estoque está muito baixo, podem ocorrer atrasos no fornecimento do hemocomponente. A depender da gravidade clínica, existe, inclusive, risco de morte para o paciente”, destaca Fernanda da Cunha Vieira Perini, médica responsável pelo Serviço Transfusional do Hcor, de São Paulo.

A médica comenta ainda que o estoque não está apenas abaixo do ideal, mas menor quando comparado com o ano passado – isso se deve principalmente pelo aumento da demanda transfusional após o período da pandemia.

Depois de doado, o sangue humano é fracionado nos seus componentes ou é processado industrialmente nos seus diversos derivados e serve a vários pacientes. Ele é imprescindível, não podendo ser substituído por outro produto.

Doenças que necessitam de doação de sangue

Diariamente, muitas pessoas sofrem acidentes ou estão internadas por diferentes doenças, e muitas vezes necessitam de transfusões sanguíneas. No Hospital Universitário Cajuru, de Curitiba (PR), por exemplo, as vítimas de acidentes de trânsito correspondem a 12% da demanda do Pronto Socorro, resultando em uma necessidade de cerca de 100 bolsas de sangue a cada mês. Pacientes que sofreram traumatismo necessitam de transfusão sanguínea de urgência para controlar hemorragias provocadas por fraturas e lesões graves.

As doações de sangue auxiliam desde no tratamento da anemia até na garantia de que um rim seja transplantado com segurança. “É um procedimento complexo, que exige suturas cuidadosas de veias e artérias, além de necessitar de um grande volume de sangue para conectar o órgão com o receptor. Portanto, durante cada cirurgia dessas são necessárias cerca de duas bolsas concentradas de hemácias, juntamente com outros componentes, como o plasma”, detalha o cirurgião Bruno Pimpão, chefe da equipe de transplante renal do Hospital Universitário Cajuru.

Além desses procedimentos, há pacientes com cânceres hematológicos, como as leucemias. “A transfusão é um tratamento que melhora as condições clínicas, restaurando o transporte de oxigênio para os órgãos e tecidos, bem como a capacidade de coagulação”, explica Fernando Michielin, hematologista do Instituto de Oncologia do Paraná e do Hospital São Marcelino Champagnat, também de Curitiba.

Um ato de solidariedade

O aposentado Fernando de Assis, de 66 anos, tem um compromisso fiel de amor e solidariedade. Ele é um doador voluntário de sangue e, duas vezes por ano, vai até o hemocentro do Hospital Márcio Cunha, em Ipatinga (MG), para fazer a sua doação. Assis faz parte de uma parcela restrita de doadores no país. “Doar sangue é um ato de amor, não dói, não faz mal e não faz falta para o corpo humano. Eu fico muito feliz e grato em saber que meu sangue ajuda a salvar outras vidas. Já doo sangue há 35 anos e vou doar até os meus 69 anos, que é a idade máxima permitida”, conta.

No geral, todos podem ser doadores de sangue, explica Viviane Chaiben, coordenadora das UTIs do Hospital São Marcelino Champagnat, do Hospital Universitário Cajuru e da Residência Médica Intensiva, de Curitiba (PR). Porém deve-se levar em consideração condições que possam trazer risco à saúde, tanto para o doador quanto para o receptor de sangue.

Quem pode ou não pode doar

Antes da doação, a pessoa passa por uma triagem clínica minuciosa, que leva em conta ambos os envolvidos: o doador de sangue e o receptor de transfusão. Segundo a portaria Nº 158 de 2016 do Ministério da Saúde, não podem ser doadores de sangue as seguintes pessoas:

  • Pessoas com níveis muito baixos de hemoglobina no sangue
  • Pessoas que fizeram uso de ácido acetilsalicílico e/ou outros anti-inflamatórios que interfiram na função plaquetária, até três dias antes da doação
  • Gestantes
  • Portadores de malária, doença de Chagas e Encefaloparia Espongiforme Humana
  • Usuários de drogas parenterais ilícitas
  • Pessoas que tenham realizado procedimentos endoscópicos nos 6 meses anteriores à doação
  • Pessoas com alcoolismo
  • Portadores de doenças infectocontagiosas

Chaiben explica que, antes da doação, o doador passa por uma bateria de exames. “As etapas para doação de sangue incluem uma pré-triagem, com avaliação dos dados vitais e teste para verificação de anemia, além de uma coleta de sangue, cerca de 25 ml, que serão submetidos à triagem laboratorial para Hepatite B, Hepatite C, Aids, Doença de Chagas, Sífilis e Infecção por HTLV I/II. O que deve ser lembrado é que o ato de doar também permite a realização e rastreio de algumas doenças, sendo benéfico para a identificação das infecciosas, transmissíveis pelo sangue”, diz.

Além desses casos, pessoas com piercing, tatuagem, maquiagem definitiva ou micropigmentação (sobrancelhas, lábios etc.) deverão aguardar 12 meses para doar sangue, contanto que o procedimento tenha sido feito em condições adequadas de antissepsia e em ambientes regulamentados.

Alguns imunizantes também impedem a doação imediata. “Vacinas de vírus vivos (como a da febre amarela), impedem a doação por 4 semanas após a vacinação. Para as outras, geralmente, o bloqueio é de apenas 48h. Para a vacina da Covid-19, por ser uma técnica nova, foi estabelecido o intervalo de 7 dias”, explica Perini.

Qual o intervalo mínimo entre as doações?

A doação de sangue deve respeitar o intervalo de 2 meses para homens e 3 meses para mulheres, sendo a recomendação anual de 4 doações para homens e 3 para as mulheres. Isso por causa da recuperação dos estoques de ferro, que nas mulheres é mais demorada em razão das perdas durante os ciclos menstruais.

O que é necessário para fazer a doação
  • Levar documento oficial de identidade com foto (identidade, carteira de trabalho, certificado de reservista, carteira do conselho profissional ou carteira nacional de habilitação)
  • Ter entre 16 e 69 anos, 11 meses e 29 dias (dos 16 até 18 anos incompletos, apenas com consentimento formal dos responsáveis)
  • Pesar mais de 50 Kg
  • Não estar em jejum – apenas evitar alimentos gordurosos nas três horas que antecedem a doação.

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