Primeira morte por febre hemorrágica em 20 anos não deve gerar pânico, alerta especialista

Apesar de caso confirmado no interior de São Paulo, infectologista explica que a forma mais comum de contágio da doença é através do contato com roedores silvestres

A população não deve entrar em pânico por conta da morte de um homem de 52 anos, no interior de São Paulo, por febre hemorrágica, segundo avaliação do infectologista e reitor do Centro Universitário da Faculdade de Medicina do ABC Paulista, David Uip. O especialista explica que a doença, provocada pelo arenavírus, não é transmitida de pessoa para pessoa, como outras doenças virais com o sarampo.

A forma mais comum de contágio é através do contato com roedores silvestres. “A vítima provavelmente inalou secreções ou fezes do roedor e se contaminou”, explica o especialista. “Além da inalação das secreções do roedor, a única outra forma de transmissão é no laboratório através do manuseio inadequado das secreções dos pacientes contaminados”, acrescenta, em entrevista à ÉPOCA.

De acordo com o Ministério da Saúde, o paciente que morreu passou por três hospitais: inicialmente em Eldorado e Pariquera-Açu, ambos no Vale do Ribeira, e por fim na capital, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A vítima foi examinada em busca da causa da doença, e os resultados descartaram a possibilidade de ser febre amarela, hepatites virais, leptospirose, dengue e zika. Depois, exames complementares no Laboratório de Técnicas Especiais do Hospital Albert Einstein identificaram o patógeno.

Não ouvíamos falar do vírus causador da febre hemorrágica há 20 anos. Ele voltou a circular?

A febre hemorrágica viral tem um diagnóstico difícil porque são necessários muitos recursos laboratoriais para isolar e identificar o vírus. Se olharmos esse caso diagnosticado no Hospital das Clínicas, a vítima passou por diferentes hospitais até que foram afastados outros diagnósticos após uma pesquisa hiper-requintada. Por enquanto, esse registro deve ser tratado como um caso isolado. A vítima provavelmente inalou secreções e fezes de roedor silvestre e se contaminou.

A contaminação ocorre sempre através do roedor silvestre?

A primeira forma de transmissão é o contato com o roedor silvestre, quando há inalação de fezes e urina. A outra forma é intra-hospitalar e intra-laboratorial, por meio do manuseio inadequado de secreções de pacientes contaminados.

Então a secreção da pessoa contaminada em contato com o examinador pode contaminar?

Pode, mas existem recomendações claríssimas sobre manipulação de sangue e secreções. Tem de haver proteção, uma máscara especial, luvas, óculos e avental. Se ele estiver protegido, o risco é muitas vezes menor.

Já que a maior forma de transmissão da febre hemorrágica é por meio do roedor silvestre, existe uma forma de evitar que eles tenham contato com o vírus?

Não, é absolutamente impossível.

Qual é o grau de letalidade do vírus que causa a febre hemorrágica?

Toda doença viral é muito graduada. O que aparece e é diagnosticado são as formas graves da doença. As formas assintomáticas ou pouco sintomáticas nem ficamos sabendo. Agora, quando há diagnóstico é porque é grave. E, quando é grave, a letalidade é de 30% a 60%. Às vezes, o diagnóstico ocorre pós-morte pela dificuldade de diagnosticar. O requinte tecnológico hipermoderno não está acessível a todo mundo.

Não é um diagnóstico corriqueiro, então, nos exames laboratoriais?

Não. O que eu imagino é que foram se desfazendo das hipóteses principais, como febre amarela, dengue hemorrágica, e foi dando negativo até que fizeram uma análise genômica e chegou-se ao diagnóstico.

Qual é a melhor forma de se prevenir?

Tem coisas que são complicadas, porque como vai prevenir o contato de uma pessoa que trabalha no campo com roedor que está infectado? É difícil. Isso não pode gerar pânico e deixar as pessoas apavoradas. É um caso isolado. É preciso que haja um controle efetivo de roedores no campo e, no ambiente hospitalar e de diagnóstico, seguir as recomendações já existentes.

Qual é a forma mais grave do vírus?

A forma mais grave causa insuficiências, ou seja, insuficiência do sistema de coagulação, insuficiência hepática, renal, acomete o sistema nervoso central e segue para falência múltipla dos órgãos, até a morte. O grande problema é que o tratamento basicamente é um tratamento de suporte de vida, em que são dadas condições, no ambiente de UTI, para tentar deixar o indivíduo vivo até que o ciclo viral se conclua.

Fonte: Revista Época
Data: 24/01/2020

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