Pergunta-te sobre teus medos

Há três coisas (as quais chamo de 3 “F”s) que me apavoram: perder um filho (e quem não temeria?), ferir uma pessoa, a ponto de tirar-lhe a vida ou de tirar-me a paz; e morrer de fralda, privado da autossuficiência. É verdade que a morte se manifesta em todas elas. Porém, acusá-la seria distração. Terrível, mesmo, é a reversão da expectativa.

Pouco tempo atrás, refletia com um amigo a devastação da perda de um filho, drama que acabara de abater um outro amigo querido em comum. Essa primeira situação (o meu primeiro “F”) é autoexplicativa e cruelmente definitiva. Mas, nos demais casos, há sutilezas que nos cedem uma chance – a possibilidade, por mais concreta ou mínima que pareça, de evitar erros que nos desolam.

É como prejudicar alguém, com ou sem dolo, produzindo efeitos irreversíveis àquele indivíduo e à sua família. Imagine conviver com a responsabilidade de um acidente fatal? E essa é apenas uma das infinitas formas de ferir o outro. Há, também, as flechadas. Quantos relacionamentos terminam por causa de agressões verbais disparadas pela raiva ou pela imaturidade? Quantas vezes o mesmo ocorre nas instituições, pelos mais diversos motivos – lideranças despreparadas, almas amarguradas ou simples falta de educação?

Aqui está, portanto, o meu segundo “F”: ferir alguém de morte e, também, de palavra. Porque o remorso por ter dito o que não deveria pode ser um golpe bastante eficiente contra si mesmo. Como disse Abraham Lincoln, “é melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do quer falar e acabar com a dúvida.”

Mas a realidade é debochada. Pode nos bombardear de conselhos e clichês acumulados por mil gerações, quando, na prática, o ser humano precisa vivenciar para compreender. Veja o meu caso: feliz e orgulhoso de meus anos vividos, entrei na categoria legal de idosos no Brasil. Até comecei a estacionar em vaga reservada e a aproveitar o benefício de embarcar antes de todo o mundo. Só que não vou me iludir: sei que esse é o começo do fim, ainda que distante.

O meu terceiro “F” está relacionado ao envelhecimento insolente. Aquele que priva o indivíduo de comandar seus movimentos, sua respiração, seu pensamento. Não há nada pior do que perder o controle de si mesmo.

Outro dia, um amigo neurologista me contava que, em seu consultório, os pacientes que sofrem de enxaqueca são, em geral, mulheres na faixa dos 40 e 50 anos. Frequentemente, segundo ele, elas se vestem de uma forma provocante, praticam ginásticas alucinadas e, em seus mais delirantes sonhos, desejam manter o corpo que tinham aos 20 anos. Não raramente, essa obsessão, fruto de um sério desvio de valores da sociedade, provoca um processo de esfacelamento da relação conjugal. Ainda mais quando o companheiro, nessa idade, valoriza (ou deveria valorizar) o conforto, a inteligência, o equilíbrio.

Perceba a chance que temos: a de nos encaminhar para um processo de mudança de vida mais ponderado e saudável, com hábitos adequados, conhecimento e boas relações humanas. Afinal, uma das maneiras de envelhecer é sentir-se orgulhoso de seu cartão de idoso, disposto a produzir e realizar com consciência e vitalidade. Outra bem diferente é descuidar de nosso poder de ação.

Para você que chegou até aqui esperando alguma revelação ou análise do setor da Saúde em nosso País, sinto reverter a sua expectativa. Mas eu precisava falar sobre a nossa saúde. É como a história do pai que ensinava o filho a ouvir a estrada. O menino encosta o ouvido no chão de terra e diz: “Está vindo uma carroça”. O pai, experiente, responde: “Está vazia, né?”. O filho, admirado com a sabedoria do mais velho, pergunta como ele sabe. O pai explica: “É porque as carroças vazias fazem mais barulho.

As pessoas vazias fazem mais barulho.

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