A desigualdade social agravou o cenário mundial da Covid-19, uma doença que não discrimina e atinge todo mundo

Em debate no Conahp, diretor científico do Institute for Healthcare Improvement destaca a igualdade como chave para aprender a lidar com os grandes desafios na saúde

O diretor científico emérito e membro sênior do Institute for Healthcare Improvement (IHI), Donald Goldmann, participou do Congresso Nacional de Hospitais Privados (Conahp) traçando um paralelo entre outras epidemias vividas no mundo, com destaque para a peste negra, e a pandemia do novo coronavírus. Para o epidemiologista, apesar dos grandes avanços conquistados pela medicina após as crises, ainda é preciso que o setor aprenda a reconhecer injustiças sociais para, só então, mitigar riscos.

As epidemias e catástrofes na saúde da história mostram tanto a efetividade de medidas, como o isolamento das comunidades e interrupção das atividades industriais, quanto as consequências econômicas que provocaram. “Antigamente, tínhamos pouco conhecimento sobre vírus, as formas de contaminação e como tratar. Mas, ainda assim, foram criadas estruturas de comando que permitiram que as políticas de controle fossem implementadas, como a queima de roupas contaminadas e o distanciamento social. Apesar de parecer ultrapassado, tudo o que foi feito naquela época continua sendo eficaz”, afirma o pesquisador.

Goldmann explica que a pandemia está longe de terminar, mas que é preciso começar a pensar em como será o futuro com base no que estamos aprendendo. “As lições vividas e as desigualdades são resultado de uma longa história de colonialismo e racismo. Nenhuma pandemia até agora conseguiu acelerar a justiça social e ajudou os pobres.”

Para o diretor científico, apesar das adaptações que ocorreram ao redor do mundo para enfrentar a pandemia, ainda é preciso repensar os papéis dos profissionais de saúde, melhorar o cuidado e criar uma cultura de transparência e humildade a começar das equipes de saúde. “Devemos pensar em projetos amparados por políticas públicas capazes de reduzir as desigualdades, com programas de engajamento estratégico que valorizem a vida das pessoas”. Como exemplo, Goldmann ressaltou a importante evolução de programas contra a mortalidade materna que promovem mais igualdade.

Assim como no passado, a desigualdade social e o privilégio em relação ao acesso à saúde ficaram mais evidentes durante pandemia. Segundo o especialista, houve, inclusive, reação contra profissionais de saúde que buscaram um tratamento igualitário. “Tem sempre aquele que acha que tem direito a ter um tratamento especial”, reforça.

Apesar disso, é importante considerar que o impacto da Covid-19 para a população foi muito grande. “Os programas globais de saúde pública ainda serão muito impactados. As pessoas deixaram de ir ao médico por causa de outras doenças, o diagnóstico está demorando mais e a mortalidade materna, por exemplo, está aumentando. Devemos entender que há uma grande disparidade no risco de adquirir a Covid-19. As pessoas negras, por exemplo, estão sendo mais afetadas no mundo todo”, alegou Goldmann.

Para reverter esse cenário, o especialista abordou metodologias que podem ser aplicadas com o objetivo de compreender os riscos e as probabilidades dos sistemas de saúde. Os riscos de contaminação em uma organização, por exemplo, devem ser desenhados com base em uma “persona”, o que permite o mapeamento de vulnerabilidade no processo de exposição ao risco de contaminação, traçando cada passo desse indivíduo hipotético para analisar as reais condições de segurança. “Essa avaliação mostra como a contaminação pode ser diferente dependendo do cargo ocupado. Assim como na sociedade, em que o rico é menos afetado do que o pobre, um cargo executivo tem menos chances de contrair a doença do que um profissional operacional”.

Goldmann falou também sobre a importância de garantir a segurança dos profissionais de saúde. “Bater palmas é uma forma de reconhecimento, mas não os manteremos seguros se não houver investimentos e mudança na forma como eles trabalham e vivem.”

Em relação ao impacto da Covid-19 na inovação, há um aumento rápido de telemedicina e aprendizado digital, principalmente em países subdesenvolvidos, assim como uma importante aceleração em ciências, como no desenvolvimento de vacinas. “Os chineses foram taxados como vilões pelos políticos dos EUA, mas eles compartilharam o genoma do vírus quase que imediatamente, levando à aceleração do desenvolvimento de vacinas”, lembrou o diretor.

Apesar dessa evolução mundial na busca por um solução imunológica para controlar o problema, um grupo de pesquisadores do Duke Global Innovation Center observou que o esforço para criar um sistema de imunização de todo o mundo está sendo ameaçado por países ricos que querem assegurar o máximo de doses possíveis de vacinas contra o novo coronavírus. Para Goldmann, “os países mais pobres terão dificuldade de acesso à vacina e a melhor maneira de evitar esse projeto ambicioso é investindo em parcerias público-privada”.

Promovido pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), o Conahp 2020 se encerra hoje (20). As inscrições, que neste ano são totalmente gratuitas, ainda estão abertas e podem ser feitas pelo site https://evento.conahp2020.com.br/

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