Dois anos atrás, estive em Viena, na Áustria, a convite de uma gigante da indústria, para fazer uma apresentação aos principais clientes globais da empresa. Havia líderes de toda parte: alemães, norte-americanos, coreanos e, claro, um brasileiro, que se tornou alvo da curiosidade e do assédio dos demais. Que orgulho senti daquele momento. De identificar o Brasil como sétimo maior mercado da Saúde, uma das mais pujantes economias do planeta, anfitrião e soberano da Copa do Mundo à vista e produtor de um movimento social notável.
Na última década, todos acreditamos que, enfim, viveríamos no país com que sonhávamos: segundo informações oficiais, 30 milhões de cidadãos migraram da faixa da pobreza para a classe média; o mercado consumidor cresceu e se diversificou; os negócios, em geral, caminhavam bem; viajantes brasileiros ocupavam o planeta. Saúde e educação ainda careciam de investimentos, é verdade, mas eu compartilhava do genuíno entusiasmo do “agora vamos”.
E, de repente, não fomos.
Como muitos, me vi iludido. Estava sob o efeito da paixão, que nunca é uma boa conselheira. Intensa e efêmera, nos faz enfeitar a realidade de desejos que criamos.
Voltamos a ser os mesmos, mas em uma versão ainda pior. Rebaixamos os parâmetros de educação, saúde e evolução para exaltar os índices econômicos, lamentamos o retrocesso do PIB, tememos a ousadia da criminalidade e nos irritamos com a perda de consciência cidadã e a falta de percepção política. Como se todo um povo houvesse, estranhamente, atravessado um desfiladeiro que separa um sonho bom de um pesadelo.
E o que mais me preocupa: a sociedade brasileira, em todos os aspectos, se polarizou. A ideia de que existe uma trincheira que corta o País física e emocionalmente é um comportamento viral. Uma mentalidade induzida pelos atuais detentores do poder com a finalidade única de compor um projeto de marketing adequado aos seus interesses. Não se trata, portanto, de uma questão ideológica; segregação e intransigência nunca foram nossa tradição.
O zika da intolerância nos debilitou.
Como é possível que tenhamos nos transformado nessa tragédia? A ruindade que domina o sentimento da nação é amplificada pela situação política, o desabamento da economia, a deteriorização dos negócios e a banalização da corrupção – essa é a pressão concreta sobre nós. Por outro lado, onde estão o dinheiro, o tamanho mercado que temos, as empresas que produzem, o parque tecnológico, a infraestrutura que construímos? Os investimentos vieram parar no Brasil por algum motivo real, mapeado, previsto. Assim como minha apresentação, em Viena, não foi baseada em um sonho.
Se não resgatarmos o bom senso, o meio termo e a clareza, perderemos a fé. E, entorpecidos pelo delírio, desviaremos da realidade óbvia: a de que o atual núcleo de decisão e gestão nacional não consegue mais fazer o País funcionar.
Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.