Muito além das cotas

A Lei 8.213/91, conhecida também como a Lei de Cotas, obriga empresas com 100 ou mais empregados contratarem de 2% a 5%. Apesar da sua essência inclusiva, tanto os profissionais deficiência como o mercado de trabalho ainda enfrentam muitos desafios na relação empregado – empresa, que envolvem desde dificuldades para o cumprimento da cota até o preconceito enfrentado pelos profissionais com deficiência dentro das próprias instituições.

Para os hospitais, o tema tem se mostrado um desafio nos últimos tempos. Isso acontece porque o cálculo do número de colaboradores com deficiência a serem contratados é baseado na quantidade total de funcionários. E é esta a grande questão, pois a maior parte dos colaboradores de um hospital é destinada à assistência, o que dificulta a integração dos PCDs e, dada a proporção exigida por lei, as entidades pagam multas constantemente por não conseguirem cumprir a cota.

O caráter urgente da temática fez com que o assunto se tornasse objeto de discussão do Grupo de Trabalho Legal Regulatório, que reuniu especialistas no Workshop – Cota de contratação de pessoas com deficiência: desafios e perspectivas.

Discriminação histórica 
Incluir as pessoas com deficiência física no mercado de trabalho passa também por um amadurecimento da própria sociedade, que carrega um histórico da discriminação. Prova disso é a forma como esses profissionais são vistos dentro e fora das empresas. 

Pesquisa realizada com PCDs pela Talento Incluir e Vagas.com mostra que 40% já sofreram discriminação no ambiente de trabalho. A pesquisa ainda revelou que 58% dos respondentes afirmam que a área de Recursos Humanos não está preparada para contratar pessoas com deficiência; 96% acreditam que as empresas precisam treinar os gestores para trabalhar com PCD.

Capacitação, contratação e retenção
Uma das questões abordadas pelos empregadores foi a dificuldade de conseguir contratar mão de obra especializada e em consonância com o perfil das vagas. Especialistas da área, no entanto, argumentam que na verdade é preciso saber onde procurar os PCDs. A pesquisa do Vagas.com e Talentos Incluir, realizada com 4319 PCDs, mostrou que 48% dos consultados estão desempregados. Outro dado é que 55% dos respondentes possuem ensino superior. Contudo, a pesquisa não foi direcionada ao setor da saúde, de modo que não foi possível aferir se essas pessoas com deficiência têm a capacitação necessária para atuar no setor.

Muitas empresas fazem parcerias com entidades como a AACD e Apae com o intuito de encontrar profissionais para contratação, o que pode ser um caminho. Outra queixa é a falta de profissionais qualificados e a necessidade de capacitá-los para contratação. Muitas vezes, esses profissionais não tiveram acesso à educação justamente pela falta de condições da sociedade em incluí-los ao longo da vida escolar e, neste caso, o ideal é ter um programa de capacitação.

Empregadores também enfrentam dificuldades para reter os profissionais, o que pode estar relacionado a dois fatores: tanto à postura do profissional, que com o tempo perde interesse na atividade e na empresa e pede demissão; como pela ausência do plano de carreira dentro da empresa, que o enxerga apenas como cotista.

Alinhamento das áreas
A contratação e a inclusão dos PCDs envolvem diferentes áreas dentro da companhia: RH, liderança da área do contratado, departamento jurídico e as áreas de segurança e medicina do trabalho. É preciso que essas áreas estejam em sintonia para que a contratação tenha sucesso – e isso vai além do mapeamento do cargo dentro da empresa. Um exemplo é o profissional que tem movimentos apenas em uma das mãos ocupando a função de atendente de telefone, que apesar de apto para função, com o passar do tempo pode desenvolver uma lesão de esforço repetitivo. 

Outro ponto de atenção, na opinião dos participantes do workshop, está na subjetividade na interpretação da lei, que aborda qualquer deficiência congênita ou adquirida, mas não é suficientemente clara e, em alguns casos, empregador e Ministério do Trabalho discordam sobre a deficiência do colaborador – o que pode gerar multa ao estabelecimento, uma vez que a cota não está sendo cumprida.

Contextualização
A Lei 8.213/91 determina que empresas com 100 ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
– Até 200 empregados – 2%
– De 201 a 500 – 3%
– De 501 a 1.000 – 4%
– De 1.001 em diante – 5%

De acordo com a lei, pessoas com deficiência física têm:
– Alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física.
– Perda Auditiva: precisa ser bilateral, a partir de 41 decibéis.
– Deficiência visual: cegueira (acuidade visual igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a menor correção óptica), baixa visão (acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção) ou visão monocular.
– Deficiência Mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidade administrativas.
– Deficiência múltipla: associação de duas ou mais deficiências.
– Deficiência Mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidade administrativas.
Deficiência múltipla: associação de duas ou mais deficiências.

Segundo o jornal O Globo, dados mais recentes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE em 2013, apontam que dos 200,6 milhões de brasileiros, 6,2% da população maior de 18 anos tinham ao menos uma das quatro deficiências investigadas:
1,1% – AUDITIVA – 2,2 milhões de pessoas
3,6% – VISUAL – 7,2 milhões de pessoas
1,3% – FÍSICA – 2,6 milhões de pessoas
0,8% – INTELECTUAL – 1,6 milhões de pessoas

Os números do Ministério do Trabalho indicam crescimento de 32% de PCDs no mercado de trabalho. Em 2015, segundo a pasta, foram criadas 42 mil vagas, a maioria concentrada em São Paulo, com 11 mil postos de trabalhos. Mesmo diante dos números crescentes, a impressão é que após 25 anos da vigência da lei, empregadores, governo, especialistas e profissionais ainda buscam um caminho de inclusão no mercado de trabalho.

Recomendações
– A Lei de Cotas não pode ser a única razão para incluir a diversidade dentro das empresas. O número não deve ser o único objetivo da instituição. É preciso trabalhar em políticas de inclusão e diversidade, bem como sensibilizar os colaboradores da empresa sobre a temática. 
– As empresas devem fazer o mapeamento dos cargos e funções para identificar oportunidades para os PCD’s. O fluxo contrário não pode ser ignorado: estudar funções a partir dos candidatos também é uma forma de incluir. 
– Pensar em ações de sustentabilidade para reter esses profissionais. O acompanhamento do profissional é fundamental para que a processo tenha sucesso. Também é preciso pensar em como atrair talentos.
– É essencial ter um profissional dentro da empresa que se dedique à temática da valorização da diversidade. 
– Investir em comunicação dentro das empresas é essencial para tirar “rótulos”. É preciso promover as ações de sucesso com os PCDs nas empresas ao invés de difundir os projetos que não tiveram êxito.
– É preciso que os gestores, empresários e investidores sejam mais flexíveis na demanda e perfil das vagas. Às vezes, o candidato pode não cumprir todos os requisitos, mas, em contrapartida, os contratantes podem se surpreender com as demais atividades que o PCD está apto a realizar.
– É importante que as empresas invistam em programas de capacitação de PCDs.
– No momento da contratação, é importante que além de um atestado do médico do trabalho da companhia, o novo colaborador também traga um laudo do seu próprio médico informando que está apto a trabalhar naquela determinada função e que o novo cargo não agravará sua deficiência.
– É importante que a empresa esteja atenta à questão do mobiliário e adaptações necessárias à deficiência do contratado.

* O workshop ocorreu no dia 16 de setembro de 2016, na sede da Anahp em São Paulo.
** Matéria originalmente publicada na revista Panorama, edição de novembro e dezembro de 2016

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