A passos lentos

Passado o turbulento ano de 2016, as expectativas para o próximo ano se renovam com mudanças no cenário político e econômico; especialistas e agentes do setor apontam para uma recuperação vagarosa e gradativa

“Como será o amanhã? Responda quem puder”.

Assim como o samba cantado por Simone ficaram as expectativas dos brasileiros durante o turbulento ano de 2016. Entretanto, as mudanças ocorridas no âmbito político-econômico parecem já sinalizar recuperação, ainda que lenta e gradual, e até a volta dos investimentos por parte dos hospitais privados em 2017. 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima taxa de crescimento de 0,5% para o Brasil em 2017. Considerando essa previsão, o Núcleo de Estudos e Análises (NEA) da Anahp realizou estudo acerca da existência do plano diretor de investimento(PDI) das instituições para o próximo ano. Os resultados são otimistas: em 75% dos hospitais consultados, o PDI, que trata de investimentos em expansão e reformas estava em andamento, mesmo no cenário de recessão vivido em 2016.

Na opinião de Afonso Matos, Diretor-presidente da consultoria Planisa, em 2017 a economia demonstrará as transformações políticas ocorridas apenas a partir do segundo semestre. “Com a mudança de governo e, em decorrência, novos atores comandando a economia – o mercado reconhece uma renovação em termos de qualificação da equipe do Ministério da Fazenda e Banco Central -, os sinais são de recuperação”. Porém, pondera o executivo, tal retomada será “lenta e gradual, com expectativa de indicadores mais favoráveis somente a partir do segundo semestre de 2017”.

Ainda de acordo com Matos, o setor de saúde deve seguir a mesma perspectiva. “Somente no segundo semestre de 2017, os primeiros sinais de recuperação serão observados, colhendo os impactos da melhoria dos indicadores de uma economia como um todo”, analisa.

2016 Amargo
A crise econômica que nas palavras de Afonso “foi seguramente a mais severa recessão da história do país” alcançou em 2016 índices desastrosos. O número de desempregados, por exemplo, atingiu a marca de 12 milhões, de acordo com dados do IBGE divulgados no final de setembro. O índice, de certa forma, impactou o segmento da saúde suplementar, que perdeu 1,5 milhão de beneficiários de planos de saúde entre 2015 e 2016.

“O cenário econômico acentuou os problemas estruturais do setor com a saída desses beneficiários que, evidentemente, está associada ao comportamento da economia, com a redução do número de empregos e a diminuição de renda da população”, analisa Solange Beatriz Palheiro Mendes Presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde).

A executiva ainda ressalta que, entre 2007 e 2016, as operadoras de planos de saúde registraram seis anos de resultados negativos, ao mesmo tempo em que enfrentam o crescimento das despesas assistenciais, que atingiram em 2015 R$127,5 bilhões apenas em planos médico-hospitalares. 

Reinaldo Scheibe, Presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), chama atenção para a dificuldade de diluir os custos assistenciais diante do impacto da perda de beneficiários. “O principal impacto desta queda de beneficiários é que tal diminuição gera pressão econômica sobre as operadoras. Um conceito comum a qualquer setor econômico é a questão de economias de escala, em que quanto maior o volume para diluir os custos, em tese, menor seria o reajuste, ou seja, assim também seria o impacto dos custos assistenciais nas mensalidades dos planos de saúde”, avalia.

Scheibe também analisa os impactos negativos da crise no perfil etário dos beneficiários. De 1,5 milhão de pessoas que deixaram a saúde suplementar, 1,4 milhão têm entre 18 e 33 anos. Por outro lado, o perfil de beneficiário que mais cresceu no período foi o de 59 anos ou mais, com 95.113 novos beneficiários. “Tal cenário naturalmente interfere no chamado ‘pacto intergeracional’, em que a massa de jovens contribui para o custeio das despesas assistenciais dos mais velhos. Com este desequilíbrio na diluição do risco, os reajustes nas mensalidades para os mais idosos, os quais necessitam mais da cobertura assistencial, fatalmente serão mais agudos e, em última análise, prejudiciais aos beneficiários e à sustentabilidade de todo o sistema de saúde”, explica.

Outra constatação do difícil ano de 2016 foi a captação de capital estrangeiro para os hospitais. Não foi registrada até o fechamento desta edição nenhuma nova operação, o que não significa que o mercado deixou de ser atrativo. Algumas transações como a compra da Unimed ABC pelo Grupo Notredame Intermédica – que é controlado pelo Bain Capital – e a aquisição do hospital Memorial São José pela Rede D’Or aconteceram este ano.

Alternativas
Diante do cenário adverso, os pacientes começaram a procurar alternativas de atendimento que não fossem o Sistema Único de Saúde (SUS) e o então perdido plano de saúde. A resposta do mercado foi a expansão das chamadas clínicas populares, que oferecem consultas no valor de R$100. A ideia parece ter agradado não apenas os empresários, mas também o Ministério da Saúde, que em agosto publicou portaria no Diário Oficial criando um grupo de trabalho para discussão e elaboração do “Projeto de Plano de Saúde Acessível”.

“A proposta do ministro é oportuna, pois abre a possibilidade de debater com a sociedade questões importantes relacionadas à assistência e ao acesso à saúde suplementar”, afirma Solange, da Fenasaúde. “Mas é fundamental trazer o consumidor para essa discussão. Temos que ouvir aqueles que, de fato, utilizam esses serviços”, completa.

A Abramge também considera positiva a iniciativa: “A oferta de planos de saúde acessíveis poderá abrir novas portas para o ingresso de beneficiários na saúde suplementar e propiciar uma alternativa para o retorno de indivíduos que perderam seus planos empresariais devido ao aumento dos índices de desemprego no país”, analisou Reinaldo.

Expectativas
Para 2017, Afonso acha importante considerar a transição que o país enfrenta tanto na área política como na econômica. Ele também aconselha precaução na tomada de decisões. “Recomendo especial atenção no âmbito das decisões empresariais com escolhas muito maduras em termos de investimento e fortalecimento da gestão sob uma perspectiva de melhoria da produtividade”, diz.

Reinaldo enfatiza que a melhora dos números na saúde suplementar dependerá sobretudo da retomada do crescimento econômico, uma vez que 80% dos planos médico – hospitalares são da modalidade empresarial. Outro ponto importante na opinião do executivo é pensar em alternativas para a sustentabilidade do segmento. “Além dos planos populares, o aperfeiçoamento de gestão dos players do mercado de saúde suplementar – clínicas, laboratórios, hospitais, assim como as próprias operadoras – pode melhorar a produtividade e evitar aumento de custos, prática que a Abramge vem disseminando em suas empresas associadas”, contou.

Em consonância com Reinaldo, Solange também acredita que primeiramente é preciso que a economia se recupere e gere empregos. Além disso, a executiva aposta na inclusão da sociedade nos debates. “Este é o melhor caminho para combater a elevação dos custos e a crescente judicialização do setor. Precisamos envolver esses 70 milhões de beneficiários que estão integrados à Saúde Suplementar”, afirma.

Remando contra a maré
Mesmo num cenário econômico adverso, em 2016 o setor de saúde mostrou que continua atrativo:
– No começo do ano, o Memorial São José, hospital do Grupo Fernandes Vieira foi vendido para a Rede D’Or;
– Em setembro, o Grupo Notredame Intermédica, controlado pelo Bain Capital, adquiriu a Unimed ABC;
– Foi com uma empresa de saúde, a rede de laboratórios Alliar, que a Bolsa de Valores teve o primeiro IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) em 16 meses, o que ocorreu em outubro deste ano;
– Também em outubro, a United Health comprou a rede de clínica de oftalmologia Lotten Eyes em transação estimada em R$ 200 milhões.

* Matéria originalmente publicada na revista Panorama, edição de novembro e dezembro de 2016

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